๑۩۞۩๑ Bem vindos a minha doce voz de vento ๑۩۞۩๑


10/11/2010

Eu e ela

"Eu isolo os cabelos; ela ajeita as mechas negras; eu sou verde, ela azul; eu tenho o nariz de um dobrão espanhol, ela alegra as frutas; eu tenho os olhos renascentistas, ela um olhar impressionista; eu ando nos cantos dos caminhos, ela solta os caminhos sem perceber; eu me arrisco na arrebentação; ela espera a visita do mar; eu sou da meia-noite, ela é do meio-dia; minhas mãos são menores do que as dela, suas mãos alcançam a chuva; eu deito no lado esquerdo, ela amplia o direito; eu durmo de tevê acesa, ela sonha com o rádio ligado; eu esqueço moedas e passagens nos bolsos, ela recolhe o resumo da roupa na máquina; eu uso o telefone como orelha da porta, ela é a chamada a cobrar; quando distraído, eu faço poesia atenta, quando atenta, ela faz poesia distraída; eu tenho pés chatos e piso em falso, ela enxerga duplo e aprecia em dobro; eu danço fora da música, ela dança com a música de dentro; eu não sei fazer churrasco, ela faz de conta que não precisa; eu faço as contas, ela enrola o terço na cama para dar sorte; eu tomo café forte, ela mede a fumaça com a colher; eu chamo seu pai para consertar o chuveiro, ela chama minha mãe para me confundir; eu sou redundância, ela é o eufemismo, eu não uso aspas, ela usa chapéu na praia; eu leio estirado como uma chama, ela lê com as pernas dobradas; eu compro o fútil, ela compra o necessário; eu me perco em lugares abertos, ela se perde em lugares fechados; eu falo sem parar, ela ouve sem dormir; eu prefiro estacionar nas esquinas, ela me centra; eu compro jornal, ela é quem lê; eu escapo dos deveres, ela paga guardador de carro; eu me visto sem olhar, ela corrige o que não vi; ela não fica doente, eu adoeço quando estou nervoso; ela pensa em tudo, eu penso o que não sobra; eu extravio nomes, ela extravia rostos; eu não guardo telefones, ela memoriza a lista; eu não canto, ela me legenda o som; eu erro na pronúncia, ela é vento simultâneo; depois do prazer, fico com insônia, depois do prazer, ela quer dormir; eu tenho um porão de lembranças, ela tem um sótão; eu entro nas recordações pelos fundos, ela entra pela frente; eu me alumbro com a mentira, ela se deslumbra com a verdade; eu não me repito, ela imita sotaques; eu faço amigos rápido, ela exige convivência; eu compro as verduras que não prestam, ela cansou de me ensinar; eu não sei contar piadas, ela não gosta de piada; eu imagino, ela desabafa; eu fico calmo na tristeza, ela explode de raiva; eu alimento pressentimentos, ela confia em fatos; ela pede desculpas, eu continuo acusando; eu peço desculpas, ela já esqueceu; eu sinto ciúmes de velhos amores, ela sente ciúmes de novos amores; eu vejo a dor como uma trégua, ela observa a dor como uma lacuna; eu me interesso pelo objeto quando o perco, ela se interessa quando o reencontra; eu sou obcecado, ela é cautelosa; eu sou perfeccionista, ela é comovida; eu improviso, ela planeja; eu fujo do aniversário, ela ensaia o seu com antecedência; eu puxo sua cadeira, ela me seduz de lado; eu sou uma cidade de baixo, ela é a cidade vista de cima; eu me vingo, ela perdoa; eu sou passional, ela pacifica; eu me hospedo quando ela viaja, ela reside em minhas viagens; eu acredito em Deus, Deus acredita nela; eu rezo ao sair de casa, ela reza ao chegar; eu escalo árvores, ela rega relâmpagos; nenhuma noite é como as outras, as outras noites são dias inventados; nossa risada se bate no escuro."(Fabrício Carpinejar)

= Sobra tanta falta =

TeatrO.

TeatrO.
Cada palavra dita, cada expressão retorcida, cada gesto, o menor deles, feitos em um palco, não são apenas gestos, palavras e expressões, pois cada um deles é feito por nossas vozes interiores, vozes da alma, que gritam desesperadamente para ganharem vida.Vozes que afagam e que elevam nossas mentes, levando-as para uma transição entre o real e o imaginário. Cada personagem é uma vida e uma renovação no nosso modo de pensar e agir. Essas personagens jamais serão esquecidas, sempre viverão em nossas mentes, estão em movimento contínuo, misturam-se e criam sempre mais, com um pouco de uma e um pouco de outra, novas, novas e mais novas personagens são criadas e apreciadas por aqueles que tem o prazer e o dom de entendê-las. "O público vai ao teatro por causa dos atores. O autor de teatro é bom na medida em que escreve peças que dão margem a grandes interpretações dos atores. Mas, o ator tem que se conscientizar de que é um 'cristo' da humanidade e que seu talento é muito mais uma condenação do que uma dádiva. O ator tem que saber que, para ser um ator de verdade, vai ter que fazer mil e uma renúncias, mil e um sacrifícios. É preciso que o ator tenha muita coragem, muita humildade, e sobretudo um transbordamento de amor fraterno para abdicar da própria personalidade em favor da personalidade de seus personagens, com a única finalidade de fazer a sociedade entender que o ser humano não tem instintos e sensibilidade padronizados, como os hipócritas com seus códigos de ética pretendem." Plínio Marcos"

Meu bem querer.

Meu bem querer.
Nada é melhor do que minha palheta preta no meu violão velho de cordas descoordenadas, tocando melodias sem tom, letras sem nexo e gritos de solidão. Inicio de coisa boa, misturado com um som sem igual, desafinado, mas ainda assim perfeito, lindo, uma arte abstrata, subjetiva e cheia de dúvidas. Minha linda palheta preta toca com precisão nas velhas cordas cheias de nós do meu velho violão. (Day Guedes)

"E metade de mim é platéia e a outra metade canção... por inteira sou arte"

"E metade de mim é platéia e a outra metade canção... por inteira sou arte"
Que a força do medo que tenho não me impeça de ver o que anseio, que a morte de tudo em que acredito não me tape os ouvidos e a boca, pois metade de mim é o que eu grito, mas a outra metade é silêncio. Que a música que ouço ao longe seja linda, ainda que tristeza que a mulher que eu amo seja pra sempre amada mesmo que distante, porque metade de mim é partida, mas a outra metade é saudade. Que as palavras que falo não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor, apenas respeitadas como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimento, porque metade de mim é o que ouço, mas a outra metade é o que calo. Que essa minha vontade de ir embora se transforme na calma e na paz que eu mereço, que essa tensão que me corrói por dentro seja um dia recompensada, porque metade de mim é o que penso e a outra metade um vulcão. Que o medo da solidão se afaste, que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável, que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso que me lembro ter dado na infância, porque metade de mim é a lembrança do que fui e a outra metade não sei. Que não seja preciso mais que uma simples alegria pra me fazer aquietar o espírito, e que o teu silêncio me fale cada vez mais, porque metade de mim é abrigo, mas a outra metade é cansaço. Que a arte nos aponte uma resposta mesmo que ela não saiba, e que ninguém a tente complicar porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer, porque metade de mim é platéia e a outra metade é a canção. E que a minha loucura seja perdoada, porque metade de mim é amor e a outra metade também.