Favelas, Carlos Drummond de Andrade (1979)
São 200, são 300 as favelas cariocas?
O tempo gasto em contá-las é tempo de outras surgirem.
800 mil favelados ou já passa de 1 milhão?
Enquanto se contam, ama-se em barraco e a céu aberto,
novos seres se encomendam ou nascem à revelia.
Os que mudam, os que somem, os que são mortos a tiro
são logo substituídos.
Onde haja terreno vago onde ainda não se ergueu um
caixotão de cimento esguio (mas se vai erguer) surgem
trapos e panelas, surge fumaça de lenha em jantar
improvisado.
Urbaniza-se?
Remove-se?
Extingue-se a pau e a fogo?
Que fazer com tanta gente brotando do chão, formigas de
um formigueiro infinito?
Ensinar-lhes paciência, conformidade, renúncia?
Cadastrá-los e fichá-los para fins eleitorais?
Prometer-lhes a sonhada, mirífica, rósea fortuna
distribuição (oh!) de renda?
Deixar tudo como está para ver como é que fica?
Em seminários, simpósios, comissões, congressos, cúpulas
de alta prosopopéia, elaborar a perfeita e divina decisão?
Um som de samba interrompe tão sérias indagações e a
cada
favela extinta ou em bairro transformada com direito a
pagamento de Comlurb, ISS, Renda, outra aparece, larvar,
rastejante, insinuante, grimpante, desafiante, de gente qual
gente: amante, esperante, lancinante...
O mandamento da vida explode em riso e ferida.
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